quarta-feira, 19 de agosto de 2009

.:: Saudades, papai ::.

.:: Saudades, papai ::.



Final de tarde, ainda com os tênis e farda azuis , mal havia chegado da escola.Ligava a televisão e sentia o cheiro de biscoitos wafer que vinha da minha lancheira, aqueles que haviam sobrado da hora do recreio.Ouvia passos fortes e uma voz rouca e grave . Chegara meu herói e nas suas mãos sempre havia um pacote amarrado com barbante e embrulhado em papel branco onde estava escrito “Karblen”. Ele nunca esquecia das nossas guloseimas : bem-casados , brigadeiros , tortas de chocolate. Era uma festa .Eu gostava mesmo de quando ele cheirava meus cabelos, quando me chamava de “Jutinha de papai”.De ir comprar o material escolar na livraria do Mec no começo do ano letivo, de sentir o aroma de papel novo e escrever meu nome, turno e turma em cada um dos cadernos e agendas . De quando ele nos levava para comer pizza e brincar no shopping center. Tudo era cheio de magia, só ele sabia exatamente o que eu podia querer a qualquer momento. Parecia ter meu manual de instruções . Sabia dar bronca e exigir que fôssemos os melhores alunos da classe. Cobrava “muito obrigados” e “por favores” mais do que qualquer outra pessoa . Ele é o homem mais inteligente que já pude conhecer , meu maior ídolo. Eu adorava estragar os seus cigarros, arrancar-lhes os filtros e desmanchar o papel que envolvia o conteúdo. É que minhas mãos ficavam com o perfume dele misturado ao odor dos malditos cigarros. Acho que não conseguia entender o que era saudade até alguns anos atrás. Meu pai se foi e levou consigo a minha inocência , infância, adolescência, grande parte da felicidade e dos meus sonhos. Deixou-me seus valores como herança : me ensinou a não desejar mal aos outros, a não invejar , a honrar compromissos , pagar dívidas , respeitar os mais velhos , ajudar quem precisa. Para mim, ele era capaz de resolver qualquer problema da humanidade e sabia a resposta de qualquer questão, por mais complexa que pudesse ser . Só ele , mais ninguém. E , mesmo assim, nos deixou , tão cheios de perguntas sem respostas, de problemas sem solução. Ainda hoje, quando me vejo em apuros peço pra que ele me dê uma luz, para que me diga por onde devo seguir. É que eu nunca aprendi a caminhar sozinha, sem seus braços sobre os meus ombros , como costumava fazer.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

.:: Minha pseudo resignação ::.



Minha pseudo resignação

Enquanto os que me rodeiam insistem em inquietar-se , simulo uma paciência quase inexequível. Parece sempre mais fácil fechar os olhos, cruzar os braços , sentar no piso ; que descabelar-se , vociferar , bater os pés. Mas difícil mesmo é engolir, tragar e digerir a revolta. Ah, não é reação para qualquer um. A revolta, quando guardada, chega a doer. E à medida que o tempo passa, ela vai ganhando força, resistência , vai esperando a hora certa de ir pelos ares. Nessa ocasião, mantenha-se distante de seu portador , não sobrará pedra sobre pedra. O que seria brisa , em seu acúmulo, se vê transformado em ventania e arrasta consigo um sem fim de inocentes.
Então, convenhamos que não tenho escolhido o caminho mais brando, talvez até o seja, mas por tão pouco tempo que , levando em consideração o seu desenrolar , pode ser tido como seu total oposto.
Seu amanhã é muito mais complexo, quem guarda um murmuro pode liberar um grito
e , mesmo após este , fica o pesar dolorido no peito de quem nutria um rancor profundo.
Talvez fosse mais fácil expressar toda a contrariedade no momento em que ela surgisse, espernear é preciso.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

.:: Fugaz ::. - Juliana Mangabeira



Fugaz

(de minha autoria)

Teus olhos de morte lenta estraçalharam os meus cuja vida excedia a média
Tragédia
E tua boca , cálida
Ardentemente encostou nos meus lábios , pálidos
Até então faltos de paixão
Tufão
No qual se tornou aquela estátua de sal , meu corpo
Que parecera morto
Foste assim , violento e repentino
Um menino
Um homem , senhor dos teus desejos e medos
Desasossegos
Arrebatador de meu espírito sereno
Veneno
Deliberadamente intoxicante
E mais adiante
Do jeito que chegaste, te foste
Sorrateiro
Em pés de lã , pela calada
Assustada
Despertei-me sem teu corpo contíguo ao meu
E tão áspero
Foi o último tocar de tuas mãos ingratas nos cabelos meus
Adeus
Último dos meus apegos carnais
Sem paz
Não preciso mais viver apunhalando-me o coração
Então
Teus olhos, outrora de morte lenta , me fulminarão.