
Final de tarde, ainda com os tênis e farda azuis , mal havia chegado da escola.Ligava a televisão e sentia o cheiro de biscoitos wafer que vinha da minha lancheira, aqueles que haviam sobrado da hora do recreio.Ouvia passos fortes e uma voz rouca e grave . Chegara meu herói e nas suas mãos sempre havia um pacote amarrado com barbante e embrulhado em papel branco onde estava escrito “Karblen”. Ele nunca esquecia das nossas guloseimas : bem-casados , brigadeiros , tortas de chocolate. Era uma festa .Eu gostava mesmo de quando ele cheirava meus cabelos, quando me chamava de “Jutinha de papai”.De ir comprar o material escolar na livraria do Mec no começo do ano letivo, de sentir o aroma de papel novo e escrever meu nome, turno e turma em cada um dos cadernos e agendas . De quando ele nos levava para comer pizza e brincar no shopping center. Tudo era cheio de magia, só ele sabia exatamente o que eu podia querer a qualquer momento. Parecia ter meu manual de instruções . Sabia dar bronca e exigir que fôssemos os melhores alunos da classe. Cobrava “muito obrigados” e “por favores” mais do que qualquer outra pessoa . Ele é o homem mais inteligente que já pude conhecer , meu maior ídolo. Eu adorava estragar os seus cigarros, arrancar-lhes os filtros e desmanchar o papel que envolvia o conteúdo. É que minhas mãos ficavam com o perfume dele misturado ao odor dos malditos cigarros. Acho que não conseguia entender o que era saudade até alguns anos atrás. Meu pai se foi e levou consigo a minha inocência , infância, adolescência, grande parte da felicidade e dos meus sonhos. Deixou-me seus valores como herança : me ensinou a não desejar mal aos outros, a não invejar , a honrar compromissos , pagar dívidas , respeitar os mais velhos , ajudar quem precisa. Para mim, ele era capaz de resolver qualquer problema da humanidade e sabia a resposta de qualquer questão, por mais complexa que pudesse ser . Só ele , mais ninguém. E , mesmo assim, nos deixou , tão cheios de perguntas sem respostas, de problemas sem solução. Ainda hoje, quando me vejo em apuros peço pra que ele me dê uma luz, para que me diga por onde devo seguir. É que eu nunca aprendi a caminhar sozinha, sem seus braços sobre os meus ombros , como costumava fazer.